Por que não é possível defender a velha imprensa?

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As condições em toda a Faixa de Gaza deterioram-se à medida que o conflito continua - Foto: Nações Unidas
As condições em toda a Faixa de Gaza deterioram-se à medida que o conflito continua - Foto: Nações Unidas

A descrença crescente dos cidadãos em relação à imprensa não parece incomodar as velhas empresas de comunicação de massa

Carlos Plácido Teixeira
Jornalista

Desabafo de um internauta: “Lamentável que o Fantástico não tenha convidado um palestino sequer para comentar em sua longa matéria sobre a classificação do genocídio em Gaza. Ao oferecer o ponto de vista apenas de fanáticos apoiadores dos bombardeios, a emissora apresenta uma versão racista da realidade”. Manifestações como esta, de indignação contra a visão unilateral da imprensa, são mais e mais presentes nas redes sociais. A tendência foi acirrada após o presidente Luis Inácio Lula da Silva discursar contra o comportamento genocida de Israel.

Defender o jornalismo tradicional tende a ser, cada vez mais, uma missão impossível. A avaliação tem sentido no panorama de cobertura dos acontecimentos nacionais e estrangeiros dos últimos anos. Não são casos isolados. E sinalizam tendências sobre o comportamento da velha imprensa, que consegue unir críticos da direita à esquerda. A mídia comercial assumiu a sua face de instrumento de poder das elites, o que em alguma medida tem pontos positivos. E os interesses mais urgentes da sociedade não importam.

A mesma mídia que apoiou o golpe que derrubou Dilma Rousseff da presidência possibilitou a ascensão política do ex- presidente Bolsonaro e da extrema-direita. Omissa na interpretação das ações militares dos Estados Unidos em todo o mundo, agora justifica o genocídio promovido por Israel contra palestinos todos os dias. Jornalistas que expressam as opiniões de seus patrões são indiferentes às dezenas de colegas mortos na Faixa de Gaza.

Por que será?

Minha hipótese: a descrença crescente dos cidadãos em relação à imprensa não parece incomodar as velhas empresas de comunicação de massa. Segundo a pesquisa Digital News Report 2023, do Instituto Reuters com a Universidade de Oxford, houve uma queda de cinco pontos percentuais no índice de confiança dos brasileiros em notícias em relação ao ano anterior. O índice de 43% é o mais baixo registrado pelo estudo.

Pelo menos em parte, a rejeição reflete o fim das sutilezas da indústria jornalística na veiculação de notícias, artigos e editoriais. A mídia assumiu que tem lado. No cenário atual de crise, a velha imprensa age com os métodos das redes sociais.

A manipulação subliminar do passado deixou de ser necessária. Portais de notícias podem falar para as suas bolhas. Contam, em especial, com a alienação da classe média e com o apoio das elites econômicas. Ainda há um público fiel que espera o fim da novela para acompanhar o Jornal Nacional. Ou que se delicia em ler notícias em jornais impressos.

A favor de quem

O jornalista Luis Nassif questiona “a função de uma mídia apoiar sempre o que não presta”. Com profundo conhecimento sobre a história da imprensa brasileira, Nassif responde: “eles não falam por si, e sim pela nossa elite do atraso, bem como por interesses estrangeiros.”

Em um dos exemplos recentes, destaca, “o Estadão, que apoiou a ditadura militar e foi, no mínimo, ‘simpatizante’ do nazismo, reclama que o presidente Lula está investindo em educação e infraestrutura energética”.

Para o jornalismo tradicional, há uma única teoria econômica. Existe a ortodoxia neoliberal, defendida pelos porta-vozes do sistema financeiro. Jornalistas vinculados às grandes empresas desconhecem os vários tons das teorias econômicas.

As opiniões favorecem as violências

Há um deserto de profissionais vinculados aos grupos de comunicação de massa capazes de assumir posições críticas em relação aos seus patrões e colegas. Exemplo raro, no dia 11, o jornalista Reinaldo Azevedo publicou em sua coluna no UOL um longo artigo criticando o que chamou de “editoriais normalizadores de violência institucional”, em referência a textos recentes do Estadão e da Folha de S.Paulo.

A crítica foi gerada pelo tratamento dado às investigações sobre as articulações golpistas do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados. Azevedo diz que a cobertura tem sido branda quando comparada com o noticiário do auge da Lava Jato contra Lula, Dilma e o PT.

Em suas redes sociais, o jornalista político manifestou sua indignação. Apesar de não mencionar, o comentarista referia-se especificamente à Folha de S. Paulo, que publicou matéria “isentona” onde juristas questionam se as provas obtidas pela PF até agora são mesmo suficientes para condenar Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado.

Como explicar o comportamento da mídia

A velha mídia perdeu o pudor

No contexto global de redução da relevância econômica e política do setor de comunicação de massa, as empresas e seus jornalistas perderam o pudor em assumir que têm lado. Que, com toda certeza, não é o lado da maioria da população.

A ética é do capital

A ética contemporânea dos grupos jornalísticos, como empresas privadas, naturaliza a expansão dos movimentos de extrema direita, contrários a temas como igualdade, respeito às diferenças raciais, de gênero e etnia e enfrentamento à crise climática.

Novos donos, os bancos podem tudo

As principais empresas privadas de comunicação são vinculadas a conglomerados financeiros. Bancos, investidores e especuladores dominam o setor com o objetivo de gerar negócios. Para ensinar a classe média a administrar dinheiro. Mesmo os grupos que não são de bancos, possuem interesses transversais, como negócios e investimentos financeiros.

O que importa é a bolha

As empresas de comunicação já perderam tanta influência econômica, política e social que faz pouca diferença em perder mais. Mas ainda há uma bolha, o nicho, formado por consumidores fiéis. Por mais absurda que possa ser uma informação, os consumidores aceitam tudo o que é dito.

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