João Paulo: agenda da democratização da comunicação tem novos desafios

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O jornalista João Paulo Cunha disse, em palestra durante a aula inaugural do curso Jornalismo e Democracia: ideias para enfrentar a crise (foto), que os acontecimentos políticos dos últimos anos impõem uma nova agenda para a democratização da comunicação no Brasil. “Estamos perdendo tempo discutindo uma agenda do século XX”, disse João Paulo, referindo-se aos cinco pontos da Constituição de 1988 referentes à comunicação que ainda não foram regulamentados, passados mais de trinta anos. “Eles continuam sendo importantes, mas a janela foi perdida, e agora temos uma agenda mais importante”, ressaltou.

O curso Jornalismo e Democracia: ideias para enfrentar a crise é uma realização do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais; destinado a jornalistas e estudantes de jornalismo, tem apoio da UNA e dá direito a certificado. A aula inaugural aconteceu na sexta-feira 14/6, com palestras dos jornalistas João Paulo e Leonardo Sakamoto (clique AQUI para ler matéria sobre a palestra de Sakamoto) e participação da presidenta do Sindicato, Alessandra Mello, e da coordenadora do curso de jornalismo da UNA, Márcia Maria Cruz.

O primeiro módulo do curso foi realizado no sábado, 15, com aulas sobre jornalismo investigativo, ministradas pelos jornalistas Alice Maciel e Daniel Camargos, e radiojornalismo, ministradas pelas jornalistas Alessandra Mendes e Lina Rocha. O próximo módulo será no dia 6 de julho, com aulas sobre cobertura política, ministradas por Alessandra Mello e Isabella Souto, e fotojornalismo, por Bárbara Ferreira e Nilmar Lage. Ainda há vagas. A inscrição pode ser feita no curso inteiro ou apenas em um módulo. Clique AQUI para conhecer a programação completa do curso e se inscrever.

Impasses da comunicação

Um dos mais brilhantes jornalistas em atividade em Minas Gerais, colunista do semanário Brasil de Fato, ex-editor do Estado de Minas, com experiência em rádio e TV, formado também em psicologia, pedagogia e filosofia, além de jornalismo, ex-professor da PUC Minas, João Paulo analisou na sua palestra os impasses da comunicação no Brasil.

Ele manifestou sua alegria em reencontrar colegas de redações e disse que o interesse dos jornalistas pelo debate é uma mostra de que o jornalismo continua vivo. “É simbólico que o Sindicato tenha pensado nesse curso nos tempos muitos difíceis que estamos vivendo”, disse.

João Paulo observou que, apesar dos esforços de organismos como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), os pontos da Constituição de 1988 que garantiriam uma comunicação plural no Brasil não foram regulamentados e que as mudanças políticas impostas pelo golpe de 2016 geraram novos desafios. Ele elencou um decálogo desses desafios para enfrentar os novos tempos e democratizar a comunicação.

São eles: 1) a reflexão sobre a importância da comunicação na macropolítica e na micropolítica; 2) o combate à manipulação da comunicação; 3) incentivar meios pluralistas, diversificar produção e veiculação; 4) a democratização da tecnologia e do seu uso para o jornalismo investigativo (ele citou o exemplo dos vazamentos da operação Lava Jato feitos pelo The Intercept); 5) discutir e implantar novos modelos de negócio; 6) debater o modelo de formação profissional do jornalista; 7) incrementar pesquisas e monitoramento de publicações (ele citou o exemplo do Manchetômetro e outras iniciativas); 8) recuperar o papel estratégico do Sindicato dos Jornalistas; 9) fortalecer a mídia popular; 10) debater o papel estratégico do jornalista e resgatar sua função crítica, onde quer que ele atue.

Mal-estar na democracia

João Paulo disse, fazendo uma referência ao livro Mal-estar na civilização, de Sigmund Freud, que vivemos hoje uma época de “mal-estar na democracia”, não apenas no Brasil, mas em grande parte do mundo. Ele observou que essa situação era inimaginável há alguns anos.

“Nas últimas décadas acreditava-se que a democracia estava se consolidando”, lembrou o jornalista. “A partir de 2013, o cenário tornou-se negativo, mas parecia que a questão da democracia estava resolvida.”

Ele citou três livros recentes, importantes, de 2015 e 2016, que trataram desse tema, dos pontos de vista da história, filosofia e ciência política: “Brasil, uma biografia”, de Heloísa Starling e Lília Schwarcz; “Boa política”, de Renato Janine Ribeiro; e “Impasses da democracia no Brasil”, de Leonardo Avritzer. Com abordagens diferentes, os três volumes tinham a mesma convicção: a democracia estava consolidada no Brasil.

Novos atores

Lília Schwarcz e Heloísa Starling concluíram que a democracia vivia um momento político difícil, mas estava resolvida; os desafios eram questões republicanas. Renato Janine avaliou que a Nova República tinha superado três agendas: a primeira, a da redemocratização; a segunda, da vitória sobre a inflação; e a terceira, a distribuição da renda e a inclusão social. A nova agenda, colocada pelas manifestações de 2013, seria a oferta de serviços públicos de qualidade.

Já Leonardo Avritzer, chamava atenção para a difícil situação social provocada pela atuação de novos atores, como a imprensa, o ministério público e a polícia federal, mas afirmava que os impasses seriam superados porque as regras da democracia tinham sido mantidas.

“Os autores dos três livros erraram no diagnóstico”, disse João Paulo, acrescentando que logo em seguida eles produziram novos trabalhos para entender por que erraram. Leonardo Avritzer, segundo João Paulo, propôs uma teoria da “democracia pendular” na história do Brasil, com avanços e retrações. O cientista político da UFMG alerta, porém, que a situação atual é mais grave, e que “o pêndulo pode parar”.

Isso estaria acontecendo devido a três colapsos: da vigência dos direitos civis; dos serviços públicos, que teriam chegado ao seu limite e estariam sendo extintos; e da defesa do patrimônio econômico e estratégico, que é função do Estado e foi abandonada desde 2016. Tudo isso estaria levando ao ocaso da democracia no Brasil.

“Se perguntássemos a esses autores, há alguns anos, eles certamente diriam que Bolsonaro não seria presidente”, observou João Paulo, acrescentando que o erro não foi apenas dos intelectuais brasileiros. “Intelectuais do mundo inteiro falharam, não perceberam que uma onda estava varrendo a democracia. Na Polônia, na Hungria, na Itália, principalmente os Estados Unidos, e até em países de tradição social-democrata, como Áustria, Dinamarca, Suíça, Suécia, França, a extrema direita cresceu. Este é hoje o grande tema da democracia no Brasil e no mundo.”

Autoritários e populistas

João Paulo criticou a falta de coragem da grande imprensa brasileira para usar as palavras corretas em relação ao atual governo. Ele lembrou que os jornais estrangeiros não tiveram esse problema, definindo Jair Bolsonaro como de extrema direita e fascista, e que até a líder da extrema direita francesa Marine Le Pen não quis ser comparada ao atual presidente brasileiro.

“A ideia de nova extrema direita nos obriga a pensar de forma diferente. Pensava-se que a democracia liberal era o fim da história, que o reino da democracia parecia garantido, principalmente a partir dos EUA. Quando surge Trump, fica difícil entender o erro”, destacou o jornalista.

João Paulo citou livros que tentam explicar o que está acontecendo, entre eles “Como as democracias morrem”, do cientista político americano Steven Levitsky. Em 2018, antes da eleição presidencial no Brasil, Levitsky deu uma palestra no Instituto Fernando Henrique Cardoso, tendo ao lado o ex-presidente, e recomendou que, diante de um candidato autoritário como Bolsonaro, o PSDB e o PT deveriam se unir para defender a democracia. Sua sugestão foi ignorada.

Candidatos autoritários podem ser identificados por algumas características, segundo cientistas políticos diversos, disse João Paulo: em primeiro lugar, não aceitam as regras do jogo; em segundo lugar, desqualificam o adversário; em terceiro lugar, encorajam a violência; em quarto lugar, têm propensão a impedir liberdades e atacar a imprensa. João Paulo lembrou que Bolsonaro fez campanha atacando a imprensa.

“No seu livro ‘O povo contra a democracia’, Yascha Mounk, professor da Universidade John Hopkins, nos EUA, diz: nunca subestime um populista”, citou João Paulo. Outra recomendação do professor é que os opositores trabalhem juntos, pois o mais urgente é garantir a democracia. Uma terceira advertência aos democratas, segundo João Paulo, é que apresentem propostas novas. “Não adianta só fazer críticas”, enfatizou.

(Crédito da foto: Brenda Marques.)

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[18/6/19]

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