Célius Aulicus, o General: saudades, muitas

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Celius Aulicus, o general
Celius Aulicus, o general

Arnaldo Viana

Para marcar 30 anos de saudade de um grande companheiro. Jornalista, escritor, humorista, cozinheiro, boêmio, gênio, hedonista. Amigo de todos nós, nas redações e nas mesas de boteco. Falo de Célius Aulicus, o General.

Nasceu em 1918, em Diamantina. Não impunemente. Nos deixou em 1994. Compartilhamos as páginas do Gabarito, caderno universitário do EM, editado pelas amigas Lydia Hermany e Beatriz Lima, sob a supervisão Olímpio Coutinho. Eu escrevia como se fosse um estudante morador de república. Ele assinava como André Lucas para nos dizer de vida e de divertida poesia.

Lembro-me que na época não havia ainda celular, não para nós, nem redes sociais e não se falava em IA. Mas já havia parafernálias alienantes que nos afastavam do conhecimento. Esse texto escrevi em outubro de 1993. O General já ensaiava o adeus. Vamos lá.

Eletrônica, sequestradora de atenções

Caro André Lucas.

Antes de qualquer coisa, nossa reverência ao vosso talento. Suas crônicas são algumas das ótimas ofertas do Gabarito, caderno disputado no tapa, às sextas-feiras, aqui na república. Por falar nisso, há muito você não escreve exclusivamente para nós frequentadores de bancos de escolas. 

Sua última crônica no Gabarito, se não estamos enganados, foi publicada em agosto. “Por falar em gramática…”, este foi o título. Um texto compreensivo. Você deixou claro que entende a nossa dificuldade com a língua portuguesa, principalmente quando tentamos transportá-la para o papel. 

Você escreveu que nós “pegamos uma sopa” com a ortografia de hoje. Ah, caro André Lucas, bem que gostaríamos. Mas não é assim. Se você, no seu tempo, tinha problemas, imagine nós, filhos da eletrônica, um mundo diabólico que sequestra nossas atenções. No seu tempo era diferente. Não havia televisão, jogos eletrônicos, videocassete. Sua diversão maior era a leitura.

Às vezes, um cineminha para apreciar o decote da Zsa Zsa Gabir ou para torcer pelo cowboy contra o vilão. Raramente, um namorico. Daqueles antigos. Três meses para pegar na mão da garota e seis para arriscar a primeira bicota. E temos quase certeza de que na sua casa havia uma generosa biblioteca.

Percebemos, por meio de suas crônicas, o quanto seus olhos passearam por obras inevitáveis. A propósito, há um cara no Caderno de Cultura deste jornal, Célius Aulicos, que carrega bem o seu estilo. Coincidência? Pois é, amigo André Lucas (permita-nos a liberdade).

Somos criados pela eletrônica. Nossos pais, tão preocupados em fazer dinheiro, pouca presença tem a nos dar em casa. Raramente, gozamos da companhia materna ou paterna. Diferente daqueles ajantarados de seu tempo. Todos reunidos à mesa ou em torno da vovó para ouvi-la ler um conto de fadas. A gente não. Papai sai cedo. Mamãe também. Uma correria só. À noite, estão mortos de cansados. Não compram livros, mas enchem a casa de aparelhos de TV, parafernálias de som, videocassete e videogame. Quando conversam, discutem a novela das nove e os preços dos supermercados.Somos mesmo filhos das máquinas.

Sei que não podemos, na prova de redação, escrever como fala o coronel da novela ou como o heroi do filme da sessão da tarde. E a TV para não perder seu público, faz tremenda força para afastá-lo da leitura. Como a gente diz, faz a nossa cabeça desde cedo. Um exemplo? Outro dia, estávamos vendo um programa infantil comandado por uma bicharada de pelúcia. Chama-se TV Colosso. Um cachorrão ganhou um livro em um sorteio ou um concurso, não temos certeza, e o recusou. Disse que não queria aquela coisa chata.

Mas estamos reagindo. Sua última crônica nos incentivou. Realmente, quem quer escrever bem precisa ler muito. Estamos fazendo uma caixinha aqui na república. Já compramos Machado de Assis, Érico Veríssimo, Garcia Márquez e alguns mineiros: Wander Piroli, Carlos Herculano, Antônio Barreto, Luiz Vilela e Jorge Fernando dos Santos. Estamos saindo, agora, para comprar uma coletânea deliciosa.

“Podem dizer que não falei de flores”. É do Célius Aulicus. Você o Conhece. Ah, líamos em um jornal que saía aos domingos, um tal do Rossini. Escrevia sobre culinária. A escrita dele é a sua cara. Abraços da rapaziada da república. E, por favor, volte a escrever em nosso caderno favorito.

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