Os encantos da Cidade, por Cláudio Arreguy

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Cidade. Seis letras que significavam tudo. “Vou dar um pulo na Cidade.” Carecia de explicação. Tanto quem falava quanto quem ouvia sabiam do que se tratava. Tantas décadas depois, nem sei se alguém ainda se refere assim ao Centro de Belo Horizonte, o universo limitado pela Carandaí ‒ que cruzava a Afonso Pena e desembocava na Guajajaras ‒, as praças da Estação, da Rodoviária e Raul Soares.

A vida belo-horizontina entre minha década de nascimento, 1950, e a de 1980 poderia se resumir a tal quadrilátero. Como se já não houvesse atividade na região da Savassi, em Santa Teresa, no Carmo-Sion, Lourdes… por aí afora. Mudei-me da capital mineira para o Rio em 1985, passei por São Paulo, regressei à terra natal em 2002, saí de novo em 2016. E desde a primeira saída raras foram as vezes em que a ida ao Centro fosse absolutamente necessária.

Ingressei no jornalismo em 1977. Nos oito anos transcorridos até minha primeira mudança, a vida girava em torno do Centro, a Cidade. A maioria das redações estava na região. A “minha”, do Jornal do Brasil, na Afonso Pena, em frente ao Palácio das Artes, no mesmo prédio da Manchete (a revista e, posteriormente, também a TV). O Estado de Minas era ali pertinho, na Goiás. O Estadão, na Álvares Cabral, quase em frente ao Sindicato dos Jornalistas. A do Globo, na Tupis, atrás da Igreja de São José. A da Folha variou mais, mas esteve por bom tempo na Augusto de Lima com Rio de Janeiro. Nesta se localizava a Rede Globo. O Diário de Minas ficava na Raul Soares.

Um lanche rápido era na Lanchonete Nacional, debaixo do Estado de Minas. Happy hour de respeito podia ser feita a poucos passos, na Gruta Metrópole, ali na Bahia. E o fim de noite invariavelmente se dava na Cantina do Lucas, point de jornalistas e da turma do teatro no Conjunto Maleta. De boa e farta comida, companhias agradáveis, garçons atenciosos e, madrugada adentro, a voz gutural do “Tostão”, com seus olhos arregalados, vendendo os jornais “do dia seguinte”.

Não sei se há alguma redação hoje no Centro. Belo Horizonte se descentralizou, com opções por todos os lados. Em tempos de quarentena, então, nem é bom pensar nisso. Em vez de subir Bahia e descer Floresta, como pregava o boêmio Rômulo Paes, boa romaria faz quem em casa fica em paz. Mesmo porque a tecnologia está ao nosso lado. Os não mais providenciais orelhões são coisas do mesmo passado em que anunciávamos com pompa uma ida à Cidade.

[11/9/20]

 

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