É preciso furar o bloqueio da mídia e lutar pela sua regulação e democratização

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Por Laurindo Lalo Leal Filho*

Ao silenciar sobre o contraditório, os meios sonegam informações que poderiam dar uma visão mais ampla dos acontecimentos.

Os meios de comunicação exercem um tipo de censura peculiar. Sonegam do público informações que poderiam dar-lhe visão mais ampla dos fatos e a oportunidade de tirar suas próprias conclusões

“Defender o direito de Lula ser candidato é defender a democratização da mídia”, afirmou Jerry Oliveira, coordenador da Rádio Democracia, uma rede então com mais de 250 rádios comunitárias que transmitiu o julgamento do ex-presidente em Porto Alegre, em 24 de janeiro. O objetivo, segundo ele, era o de “furar a bolha da imprensa comercial e defender o Estado de Direito”.

O próprio Lula vem se manifestando constantemente sobre a necessidade de uma regulação da mídia. Ambos retomam um tema que há vários anos é objeto de debates acadêmicos, sindicais e de movimentos sociais voltados para área de comunicação. O marco inicial desse processo pode ser encontrado na Constituição Federal de 1988, que dedicou um capítulo inteiro à Comunicação Social. Só que a quase totalidade dos seus artigos não foi regulada por leis específicas e, por isso, não passaram a vigorar.

Um dos artigos que não viraram lei diz claramente que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Como sabemos, no Brasil a mídia é oligopolizada. Poucas famílias detêm o controle da maioria dos grandes meios de comunicação os quais, de forma conjunta, transmitem praticamente as mesmas mensagens para toda a população, excluindo divergências que possam afetar seus interesses políticos e econômicos.

Ao silenciar sobre o contraditório, os meios de comunicação exercem um tipo de censura peculiar. Sonegam do público informações importantes que poderiam dar ao leitor, ouvinte ou telespectador uma visão mais ampla dos acontecimentos, oferecendo a ele a oportunidade de tirar suas próprias conclusões. Quando se trata de questões ligadas a uma possível regulação da mídia a situação se agrava. Há um alinhamento editorial contrário compacto.

Pesquisa realizada por Camilo Morano Vannuchi, publicada na revista Alterjor da Escola de Comunicação e Artes da USP, deixa isso claro. Ele observou como os jornais Folha de S.Paulo e O Globotrataram do assunto num período de dez anos, de 2007 a 2017. Foram 125 textos publicados pela Folhae 216 pelo Globo. A maioria concentrada em seis anos, de dezembro de 2010 a novembro de 2015. O autor constata que nesse período dois fatos ampliaram a discussão sobre a regulação da mídia: a realização da primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em dezembro de 2009, na qual foi apresentada a proposta do Conselho Nacional de Comunicação Social, gerando discussões acerca do que foi chamado de “controle social da mídia”, e, no mesmo mês, a emissão do decreto que implementou o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), que tinha entre as suas orientações a criação de uma comissão de monitoramento do conteúdo editorial com o objetivo de organizar um ranking de veículos identificados com a promoção dos direitos humanos. Propostas atacadas com furor pela mídia hegemônica.

Os números mostram como o tema entrou e saiu da pauta desses jornais. Em 2007 a Folha publicou quatro matérias a respeito. O Globo, duas. Em 2011, O Globo publicou 56 e a Folha, 14. E agora, em 2017 o assunto praticamente morreu: Folha, uma; O Globo, zero.

Significativa é a diferença dos números de matérias publicadas pelos dois veículos. Em 2010 e 2011 a frequência desse tipo de informação no Globo foi quase quatro vezes superior à da Folha. O autor da pesquisa acredita que o jornal carioca “chamou para si a responsabilidade por demover todo e qualquer apoio popular à iniciativa e por dispersar imediatamente os riscos de regulação, expediente que, em todas as teorias e propostas de lei, acarretaria em sanções ou perdas ao Grupo Globo empresa que é, simultaneamente, detentora de oligopólio de mídia, praticante de propriedade cruzada, beneficiada por 75% das receitas dos anúncios e concessionária de uma outorga que vem sendo renovada automaticamente, moto contínuo, e que tem deputados e senadores entre os proprietários de retransmissoras regionais”.

A pesquisa foi além e classificou as formas como os dois jornais tratavam do tema a partir de quatro palavras-chave: “marco regulatório” e “regulação da mídia”, consideradas neutras; “controle da mídia”, considerado negativo (ou desfavorável) e “democratização da mídia”, visto como positivo (ou favorável). O resultado era o esperado: houve quatro menções a “controle da mídia” para cada registro de “democratização da mídia” na Folha. A proporção no Globo foi de cinco para um. E mais, das quatro palavras selecionadas “controle da mídia” é a única que aparece nos títulos de primeira página, todas no Globo.

Além disso, a expressão “democratização da mídia” é usada de forma irônica como neste caso da Folha,que deu matéria com o titulo “Presidente do PT afirma que é preciso ‘democratizar’ a mídia”. As aspas são usadas para desmerecer o conteúdo da palavra. Ou uso da expressão “marco regulatório” com o intuito de desconstruí-la, como neste trecho do articulista da Folha Luís Felipe Pondé: “O ‘marco regulatório da mídia’, item do quarto mandato bolivariano, é justamente o nome fantasia para destruição da liberdade de imprensa no pais”.

Os dados da pesquisa são irrefutáveis e só vêm confirmar o que se depreende da leitura desses jornais. Trata-se da editorialização de um tema sensível a essas empresas. Daí a confusão deliberada que fazem dos termos “regulação da mídia” com “controle da mídia”. Regular não é controlar. É, por exemplo, estabelecer regras para a ocupação democrática dos espaços públicos, no caso, as ondas eletromagnéticas por onde transitam os sinais de rádio e TV.

Os números apresentados e as análises realizadas pelo autor da pesquisa darão, sem dúvida, muito mais consistência aos argumentos daqueles que lutam pela democratização da comunicação no Brasil.

*Laurindo Leal Filho é sociólogo e jornalista. Professor do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP

(Publicado no portal do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo.)

[16/2/18]

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