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Jornalismo e clima: uma pauta emergente


Aloisio Lopes
Jornalista

A catástrofe climática que se abateu sobre o Rio Grande do Sul deve continuar na pauta dos veículos de comunicação ainda por muito tempo, tamanha suas consequências sociais, ambientais e econômicas. Nas primeiras semanas da cobertura, o factual foi bem retratado, apesar das fake news espalhadas em redes sociais da internet e até por veículo tradicional de tv. A cobertura, impulsionada pelo clamor público, conseguiu dar alguns passos além, expondo as falhas cometidas por gestores estaduais e municipais.

No entanto, uma ausência muito notada na cobertura jornalística do meio ambiente, e que pode começar a mudar a partir dessa catástrofe, é a discussão das soluções para os problemas causados pelas mudanças climáticas. Essa restrição da cobertura jornalística, que predomina até então, foi um dos recortes da pesquisa da jornalista gaúcha e doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento, Eloisa Loose (2024), em livro recém-publicado (1), antes da ocorrência dos eventos extremos no RS.

Outra questão pesquisada: a cobertura da mídia valoriza a perspectiva do Sul Global, com suas características ambientais e cultural próprias, frente à perspectiva colonialista do Norte Global? A análise recaiu sobre três veículos alternativos, já que uma amostra de veículos convencionais tinha sido objeto de outra pesquisa, ambas com resultados muito semelhantes quando às práticas profissionais e ao conteúdo jornalístico.

Estas reflexões estão na ordem do dia, e, a meu ver, são condições para que o jornalismo ambiental possa cumprir sua função social e dar conta do recado. Mais que um jornalismo especializado, no entanto, a perspectiva ambiental deve ser uma lente para entender e reportar a realidade, como defende a autora. O jornalismo não muda o mundo, mas pode pautar as mudanças, expondo visões e ações que mantém a realidade e as que a alteram para melhor ou pior.

Seguindo com a autora, vamos entender que as mudanças climáticas são expressões da crise ambiental e se manifestam principalmente por meio dos eventos extremos como chuvas torrenciais, secas, queimadas e geadas, com suas repercussões. Fontes oficiais e especialistas são ouvidas para dar credibilidade às apurações, mas raramente a discussão das causas dos problemas é aprofundada.

Por outro lado, o mito da neutralidade se desfaz quando não se dá voz às opiniões que questionam o modelo de desenvolvimento adotado nos países da América Latina, que remonta à colonização europeia e à exploração predatória dos recursos naturais. Presume-se que o questionamento deste modelo não interessa ao status quo, pois, apesar da colonização ter terminado oficialmente há dois séculos, a colonialidade persiste como elo de sua permanência, refletindo na visão de mundo, no papel subalterno de países produtores de commodities e no caso do jornalismo, até mesmo na escolha das fontes. Na maioria das vezes, as pessoas das comunidades e lideranças sociais são usadas somente para ilustrar uma reportagem (o povo fala?).

A emergência climática exige uma postura ética de todos nós, e, da mídia, se espera uma abordagem questionadora, esclarecedora e formativa. Recorro ao ambiente empresarial para refletir: diretrizes de ESG (Environment, Social e Governance) e ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentáveis), dentre outras recomendações oriundas de fóruns internacionais têm sido adotadas como caminho para a chamada “economia verde”.

Elas levam a mudanças no modelo de desenvolvimento ou à continuidade do mesmo modo de produção predatório que predomina desde a revolução industrial? A simples divulgação de iniciativas empresariais, sem criticidade, não faz bem ao meio ambiente e por isso todo cuidado ainda é pouco para separar publicidade comercial do jornalismo, embora seja uma tarefa das mais melindrosas.

Em outro viés, alguns jogam peso argumentativo na mudança de hábitos individuais. Acredito que pode ajudar, mas não é suficiente. Seria o caso de deixar a ingenuidade de lado, pois a realidade já demonstrou que são as atitudes de governos e grandes corporações que têm o poder de disparar ou frear a destruição do planeta. Esse não deveria ser o foco? Vejam o que aconteceu após a pandemia da Covid 19, quanto ao “novo normal”. Não houve nenhuma alteração no modelo de desenvolvimento. A exploração e uso de energia fóssil, por exemplo, continua crescendo, inclusive no Brasil.

A gravidade da crise climática nos impele a ampliar sua cobertura, não nos limitando aos eventos, denúncias, protestos e datas comemorativas. Eles podem servir de “gancho” para as reportagens, mas sem cair na armadilha da superficialidade. Soluções podem e devem ser apresentadas, abrindo espaço para o debate público de ideias e alternativas. As Soluções baseadas na Natureza (SbN), por exemplo, que tem sido utilizadas no âmbito do planejamento urbano, são as melhores opções para evitar o encaixotamento dos córregos e para mitigar os efeitos das mudanças do clima? Por que os problemas da mobilidade urbana, que vão desde a emissão de poluentes até o custo dos deslocamentos, demoram a ser enfrentados? Quais os interesses econômicos que impedem as soluções? Além dos governos e especialistas, como as comunidades pensam a respeito?

Na maioria das vezes, a população não consegue relacionar as mudanças climáticas ao seu cotidiano. Estabelecer esse nexo é pressuposto para uma comunicação esclarecedora por parte dos jornalistas. As unidades de saúde, por exemplo, estão lotadas de casos de doenças respiratórias causadas pela mudança do clima, sem contar a expansão da dengue, que também é consequência das alterações do clima. Outra preocupação do jornalismo ambiental deve ser o olhar cuidadoso para com as populações vulneráveis. Como são os pobres que tem suas moradias em encostas, à beira de córregos ou embaixo de barragens, são para eles que devem ser direcionados os primeiros esforços de justiça ambiental.

Por fim, aproveitando o gancho do “Junho Verde”, deixo algumas questões que podem enriquecer boas pautas:


1 – Como reduzir a impermeabilização do solo nas cidades com concreto e asfalto? Quais são as soluções ambientalmente corretas? Como atender as demandas de moradia? Como a demanda e tratada pelos governos e pelo mercado imobiliário?

2 – Como reduzir a emissão de gases de efeito estufa na agropecuária? A população topa reduzir o consumo de carne? Como políticas públicas alimentares podem contribuir?

3 – Como reduzir a poluição causada pela queima de óleo diesel por navios carregados de minérios do Brasil para a China? Os importadores não deveriam pagar um pedágio nos oceanos? Quais as soluções para reduzir a poluição causada pelo transporte aéreo?

4 – Quais interesses estão por trás da aprovação do pacote do veneno no Congresso Nacional? Quanto os fabricantes lucram? Quais os impactos do uso de agrotóxicos no solo, águas, animais e para saúde humana?

5 – Quais empreendimentos estão recebendo licença ambiental dos órgãos estaduais? Quais benefícios ou impactos trazem? Valem a pena?

6 – Como estão os indicadores das mudanças climáticas no município e no estado? Como a sociedade pode monitorar isso?

7 – Quais as propostas locais de candidatos a prefeituras e câmaras de vereadores para o enfrentamento das mudanças climáticas? Elas são factíveis?

8 – Sendo titular dos serviços de saneamento, como o município planejou o serviço de coleta e reciclagem de resíduos e a drenagem urbana? As comunidades foram ouvidas?

9 – Como funciona a gestão das águas pelos comitês de bacias hidrográficas? Quem são os representantes dos governos, dos usuários e da sociedade civil? O que eles estão fazendo?

10 – Qual é o plano de desenvolvimento da região metropolitana? Quem planeja? Quem executa? Quem fiscaliza?

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