Carina Pereira, chorei

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Ao ver o vídeo da jornalista Carina Pereira, relatando todo seu sofrimento na redação da Globo Minas, achei que as minhas feridas estavam cicatrizadas, mas chego à conclusão agora que, talvez, não cicatrizem nunca, e chorei, chorei muito.

Revivi toda aquela angústia e tristeza que, também, passei na redação do jornal Estado de Minas em 2001, culminando com minha demissão em 2002. Após a contratação de uma chefe nova pela empresa para a Editoria de Economia, os 16 anos de muito trabalho e dedicação — inicialmente dois anos na revisão no horário da madrugada e da manhã, depois nas editorias de Agronegócio e Economia — se dissolveram em humilhação e desrespeito.

Meu texto não servia mais ao jornal, não cobria satisfatoriamente os assuntos, tudo que eu sugeria ou falava era visto com desprezo, além das desconfianças demonstradas, claramente, quanto à correta apuração da matéria. Fui ficando cada dia mais triste, ao mesmo tempo ansiosa e deprimida. Quantas vezes descia para a rua, com a desculpa de comprar um lanche, caminhava ao redor do prédio na avenida Getúlio Vargas, sem saber o que fazer, enxugava as lágrimas e voltava para a redação.

Sem dúvida queriam que eu começasse a faltar, tivesse algum desequilíbrio sério na minha saúde, o que faltou pouco, para ter motivos de justa causa. Mas como Carina, e uma das coisas que me emocionou muito no vídeo, eu também lia o Eclesiastes, sempre fui uma pessoa de muita fé, e continuava a trabalhar, mesmo sem qualquer alegria ou satisfação. Tudo que passei, até a minha demissão em março de 2002, foi minando uma das coisas que mais amava na minha profissão, a redação de jornal, e nunca mais pensei em voltar a trabalhar em outra e na do EM eu nunca mais pisei!

Até na demissão sofri assédio moral, porque a chefe me disse claramente que estava me mandando embora porque era repórter especial e ganhava mais do que os outros repórteres, e que o jornal estava fazendo cortes, ou seja, estava sendo punida porque tinha tido uma pequena promoção há pouco tempo, não senti nem o gosto! Se tenho raiva, não, mas ao ver o vídeo da Carina Pereira vi também que ainda tenho muita tristeza de tudo o que aconteceu, principalmente pelo fato de que, trabalhando no EM há tanto tempo, foi a chefe, recém-contratada, sem qualquer preparo para o cargo, de relacionamento e respeito para com o outro, que foi apoiada pela empresa.

Após a demissão, entrei na Justiça contra o jornal requerendo horas extras e contra o assédio moral sofrido. As horas extras eu ganhei, mas me faltaram testemunhas que comprovassem o assédio, além de que a lei de criminalização do assédio moral no ambiente de trabalho era nova, de 2001, e eu e o advogado do SJPMG não tivemos muito sucesso nesta ação. Mas trabalhei junto ao SJPMG para que o tema fosse difundido entre a categoria, fizemos um seminário sobre o assunto, atuei na Comissão de Ética, onde atendemos muitos casos. Mas, infelizmente, essa prática perversa contra o trabalhador continua campeando nas empresas e nós mulheres ainda temos que enfrentar o machismo venenoso de nossa sociedade, que quer nos matar por dentro nos locais de trabalho, e nos mata em casa, nos casos de feminicídio, que só crescem no país e no mundo.

Se pudesse deixar um recado sobre tudo isso que passei é o de que o medo de perder o emprego e de que faltarão forças para buscar outro e encontrar — porque se sai muito enfraquecido e fragilizado de uma situação como essa — não pode ferir a dignidade e o respeito consigo próprio, é preciso denunciar o que está ocorrendo internamente, falar com os amigos, recolher provas e, se providências forem tomadas e houver condições de continuar na empresa, ótimo, mas se não, e a demissão ou o pedido de desligamento ocorrer, deve-se buscar a Justiça, com uma ação contra a empresa. É um caminho não apenas no sentido de uma indenização, mas no de contribuir para um avanço na relação trabalhista como um todo.

Com o tempo a gente recupera as forças, uma nova chance aparece e, sem dúvida, ficamos mais preparados para não deixar que novos autoritarismos e abusos de poder afetem nossa vida emocional e física, nosso trabalho. A vida sempre se renova e melhor para nós renovarmos também!

Mônica Santos, jornalista e ex-repórter do jornal Estado de Minas

 

[14/1/21]

 

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