A saga para fugir do covid, por Ivan Drummond

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Ninguém me falou que seria assim, melhor, teve a preocupação de falar as dificuldades desse período. Desde o final de fevereiro, que estou em home office. Só saio de casa em raríssimas situações, como para pagar contas, ir à farmácia. Até supermercado, na maioria das vezes, é pelo telefone. Mas os últimos dias foram terríveis.

A história começou com a irmã da minha nora, Raquel. Ela é ex-jogadora de vôlei, do Minas e foi campeã sul-americana com a Seleção Brasileira. Ela foi a primeira. Marília, minha nora, irmã dela, mulher do Felippe, meu filho, foi levá-la para fazer exame. Teve contato, certo?

Bom, cabe aí uma explicação. Meu filho, a Marília e três das minhas cinco netas, estão morando na minha casa, enquanto reformam o apartamento deles. Pois o resultado desse exame deu positivo para Covid-19.

E aí? O que fazer. Mas ainda não era de alarmar tanto. Só que vem a informação, que os pais da nora, Luiz e Angélica, também estão infectados. É motivo suficiente para minha primeira fuga.

Mudei-me para a casa da minha filha, Raphaela, que é dentista. Ela estava com o marido, as duas outras netas, mais a mãe dela, num sítio, para passar o final de ano.A casa vazia era o ideal. E lá fui eu.

Compras, só pelo telefone. Pra não ter que sair de casa. Passo o réveillon sozinho, vendo fogos de artifício pela janela. Chega o domingo atrasado. Raphaela volta do sítio, mas as notícias não são boas. Meu genro, Bruno, está com Covid.

Fugi de novo. Voltei pra minha casa, apesar do risco. Tranquei-me no quarto, o resto do domingo e segunda-feira. Minha filha vai com as netas para a casa da mãe dela.

E na segunda, a Marília, minha nora, começa a ter sintomas. Não sente o gosto quando come ou bebe, mesmo suco. Meu filho, Felippe, diz que está com nariz entupido e escorrendo e a garganta está arranhando.

Tenho de tomar uma decisão. A opção é ir para a casa da minha mãe. Só que ela tem 89 anos, e é hipertensa. Além do mais, meu irmão, que teve AVC, não fala mais, e é diabético, mora com ela.

Tenho de me preservar e também minha mãe e meu irmão. Isso está virando uma saga. Vem uma luz. Minha vizinha, Simone, que é amiga desde a adolescência, na Rua Piauí, eu morava no 202, onde ainda está minha mãe, e ela no 302. Nossas mães eram as melhores amigas. A dela, pena, morreu. Pois ela está viajando, a trabalho, junto com a filha, Catarina. Só voltarão em fevereiro.

Liguei e pedi a casa emprestada. Ela me emprestou. Estou aqui desde terça-feira, última. No dia seguinte à segunda fuga, veio a confirmação de que meu filho e minha nora estão infectados.

Pois é. E pra completar, nesta sexta-feira (8/1), minha filha me liga e conta que o teste dela para Covid-19 também deu positivo.

Infectados, mas à distância. Não tenho mais pra onde correr O que espero é que toda essa estratégia dê realmente certo e que daqui a 10 dias, eu possa voltar, em segurança, pra casa, pra minha cama. Eu jamais imaginei nada parecido com isso, esse vírus. Nem nos filmes de ficção científica tinha visto nada igual. Um conselho a todos vocês. Protejam-se. Fujam, pernas pra que te quero. Tudo para escapar desse mal. Viver uma saga agora, para poder viver, no sentido amplo das palavras, depois.

E aprendendo a ser sozinho, não ter nem mesmo a família por perto. Não brincas com as netas, não ter com quem conversar, por aí. Vivendo e aprendendo.

 

[21/1/21]

 

2 COMMENTS

  1. Que peleja, Ivan! Não está fácil pra ninguém, mas pra vc foi pior. Digno de relato pra ficar nas memórias de um tempo que ninguém deseja de volta.

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