Menti para Maradona, por Ivan Drummond

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Ano, 1994. Fui escalado pelo Estado de Minas  para cobrir Boca Juniors x Cruzeiro, pela Copa Libertadores. Viajamos, eu e o Alberto Escalda, repórter-fotográfico. O jogo foi em 15 de março e o time celeste venceu por 2 a 1, em La Bombonera, Buenos Aires. Mas o meu fascínio maior não foi cobrir a partida, mas, sim, o que aconteceria nos bastidores. Por coincidência, a Seleção Argentina iniciava a preparação para a Copa do Mundo nos EUA.

Centro de Treinamento de Ezeiza. Era lá a concentração dos convocados. E falar em Seleção Argentina, era falar de Diego Maradona. Pois veio a ideia de ir para a apresentação dos jogadores, que ocorreu dois dias antes do jogo que tinha ido cobrir. Daniel Gomes, o editor de Esportes, topou na hora quando liguei contando minha proposta de pauta: entrevistar o gênio que humilhou os ingleses oito anos antes, no México.

E lá fomos. Eu e o Alberto. Ao chegarmos em Ezeiza, o comentário dos jornalistas argentinos era: “Maradona não conversa com nenhum jornalista. Está brigado com a gente.” Só não entrei em pânico porque não era argentino. Logo pensei: “Como sou brasileiro, comigo, ele fala.”

Que nada! Pelo menos na primeira vez que tentei. O chamei, mas ele passou direto. Pensei em brigar, arrumar confusão, mas essa não seria a saída. Tinha de pensar em alguma coisa. Os jogadores fizeram aquecimento, bateram bola. Veio treino. Um privilégio ter Maradona à minha frente, “entortando” os companheiros do time reserva.

Terminado o treino e fui direto ao técnico do selecionado, Coco Basille. Falei que tinha vindo do Brasil e que precisava falar com Maradona. Ele se sensibilizou, mas respondeu que não podia fazer nada, pois o craque estava brigado com a imprensa. E que se fizesse um pedido desse a ele, era arranjar briga.

Os jogadores ainda estavam no vestiário quando subi para a coletiva de imprensa. Fiquei à porta. Pensava: se Maradona passar por aqui vou atrás.Precisava tentar. Começou a coletiva. Fiz duas perguntas, mas estava com um olho no peixe e outro no gato. Basille respondeu e, no fim da entrevista, levantou-se veio até a porta. Perguntou se era muito importante eu entrevistar o Maradona. Respondi que sim.Então, deu uma dica. “Ele  passa ali por baixo. Já deve ter terminado o banho. Talvez, sozinho, você consiga. Diga que é brasileiro”.

Não pensei duas vezes. Dei sinal para o Alberto e desci, correndo. Posicionei-me um pouco afastado da saída do vestiário. Aí, me veio uma idéia. Lembrei-me do Napoli. Lá, a dupla de ataque era Maradona e Careca.Ele era muito amigo do centroavante brasileiro, mas não o chamava pelo apelido, e sim pelo nome, Antônio.

E veio Maradona. Aproximei e lasquei: “Olá Diego. Sou amigo de Antônio. Sou jornalista brasileiro e gostaria de falar rapidinho com você.”, disse no meu “portunhol” perfeito. Chuto bem a língua. Deu certo. Ele parou e disse em castelhano: “Se é amigo de Antônio, também é meu amigo. Você é de onde?”. Não titubeei. Menti novamente. “De Campinas”. Ele. então disse: “A cidade de Antônio”.

Foi o suficiente para engrenar uma conversa. Falamos de tudo, de Seleção Argentina, de Seleção brasileira, do Napoli, de sua paixão pelo Boca. Resultado: no domingo seguinte, o jornal publicou a reportagem exclusiva com Maradona.

Mas não acabou aí. No dia posterior à entrevista, à noite, fui para o Bombonera cobrir Boca Juniors x Cruzeiro. A torcida estava quieta. De repente, uma explosão. O público começou a gritar “Maradona, Maradona”. Todos se voltaram para determinado ponto do estádio, o setor de cadeiras. Estava chegando um grande ídolo.

Punhos cerrados, dando socos no ar, voltados para uma só direção, todos cantam: “Oh mamma, mamma, mamma/sai perche mi batte il corazón/ho visto Maradona/ho visto Maradona”. Quando ele acenou de volta em agradecimento, o estádio foi à loucura.

Eu vi Maradona de perto e falei com ele.Ou melhor, menti para ele.

[27/11/20]

2 COMMENTS

  1. Que belíssima história de “mentira branca”. Fiquei pensando se hoje em dia seria possível um furo como este. Os jogadores importantes são blindados pelos assessores, empresários, seguranças, familiares e como existe pouco jornalismo investigativo, quase ninguém quer se arriscar como você arriscou. Parabéns pelo belo texto!

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