A relação nebulosa entre os irmãos Neves, a JBS e o jornal Hoje em Dia

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No dia 17 de março, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais publicou matéria em que perguntava no título: “Dinheiro da carne podre foi parar no jornal Hoje em Dia?”, numa referência à Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, que envolveu o grupo JBS. Dois meses depois, a delação dos donos do grupo JBS levou, nesta quinta-feira 18/5, ao iminente fim do governo Temer, à suspensão do mandato do senador Aécio Neves pelo Supremo Tribunal Federal e à prisão da sua irmã, Andrea Neves.

A matéria publicada pelo Sindicato chamava atenção para a estranha relação entre a venda do jornal Hoje em Dia e a JBS. Outras relações do jornal eram mais conhecidas: aquelas que uniam os antigos proprietários do jornal, a família Carneiro, ao senador e sua irmã. No começo de 2016, quando a empresa estava em dificuldades, o empresário e político Ruy Muniz arrematou o jornal sem gastar nenhum centavo. Ao mesmo tempo, a JBS pagava à família Carneiro R$ 18 milhões e ficava com a sede do jornal. “Quem intermediou o negócio?”, perguntaram-se os jornalistas mineiros. “Como a JBS chegou ao Hoje em Dia?”

“Operação fraudulenta’

A ligação entre o Hoje em Dia e a JBS apareceu durante a ação movida contra o jornal pelos trabalhadores dispensados pela empresa nos dias 29 de fevereiro e 1º de março de 2016. As demissões foram uma violência sem precedentes contra os direitos trabalhistas dos jornalistas em Minas Gerais. Comprado ao Grupo Bel pelo empresário e político Ruy Muniz, o jornal demitiu 36 jornalistas no final do expediente, não pagou o acerto e nem o salário do mês.

Representando os jornalistas, o advogado do Sindicato, Luciano Marcos, entrou na Justiça do Trabalho reivindicando os direitos desrespeitados e pesquisou os bens da Ediminas, empresa proprietária do jornal, visando a pedir sua penhora para garantir o pagamento da dívida. Descobriu que o prédio sede do jornal, bem mais valioso da Ediminas, tinha sido vendida pelo grupo Bel, antes da venda do título para Ruy Muniz.

Valor do negócio: R$ 18 milhões, divididos em 10 parcelas. Como comprador aparecia a J&F, holding da JBS e de outras empresas como Alpargatas, Vigor e Banco Original. A J&F era então presidida por Henrique Meirelles, hoje ministro da Fazenda do governo Temer. Um gigante internacional interessado num pequeno prédio de três andares no bairro Santa Efigênia, em Belo Horizonte.

O Sindicato pediu à justiça o bloqueio das parcelas a vencer no pagamento, o que foi concedido. A empresa informou então que não tinha dinheiro a receber, pois o pagamento tinha sido antecipado, com deságio.

Toda a história desse surpreendente negócio está contada em documento produzido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) datado de janeiro deste ano. A operação que deixou a empresa sem patrimônio para honrar a dívida com seus empregados chamou atenção do procurador do trabalho Victório Álvaro Coutinho Rettori, que, no seu parecer ao processo, considerou-a fraudulenta. Ele perguntou sobre a destinação do dinheiro:

“Também não convence a alegação do 6º réu FLÁVIO JACQUES CARNEIRO de que os 18 milhões de reais provenientes da venda dos 2 imóveis para a empresa J&F EMPREENDIMENTOS S.A. foram utilizados exclusivamente para a quitação de dívidas do 1º réu EDIMINAS S.A., mesmo porque o documento de fls. 1689/1690 não tem qualquer validade contábil ou jurídica, tratando-se de uma mera planilha.

“Por sua vez, os documentos de fls. 1595 e 1631/1633 também não comprovam a destinação dos 18 milhões de reais, uma vez que retratam apenas um passivo elevado e referente a um período anterior à alienação dos 2 imóveis, além de uma simples análise comparativa do 1º semestre de 2014 e do 1º semestre de 2015 do passivo da empresa, ou seja, de períodos também anteriores à venda dos 2 imóveis.”

O procurador é incisivo na denúncia do estranho negócio que envolveu a Ediminas, o Grupo Bel e a J&F. Para descobrir o paradeiro dos R$ 18 milhões, ele pediu a quebra dos sigilos fiscal e bancário da J&F:

“De todo modo, para realmente comprovar a destinação dos 18 milhões de reais, o 6º réu FLÁVIO JACQUES CARNEIRO poderia e deveria ter juntado cópia de documentos contábeis oficiais, tais como Livro Razão Analítico, Livro Caixa, Balanço Patrimonial, Demonstração do Resultado do Exercício, entre outros, referentes ao período em que foram pagas as parcelas desses 18 milhões de reais, ou seja, de setembro/2015 a fevereiro/2016, mas assim não o fez. Por quê? Portanto, não há outra alternativa senão buscar-se o paradeiro desses 18 milhões de reais, o que somente será possível por meio da quebra dos sigilos fiscais e bancários de todos os envolvidos, a começar da empresa J&F EMPREENDIMENTOS S.A., de onde supostamente esse dinheiro originou-se, e, daí, segui-lo até sua atual localização.”

E continuou:

“O Ministério Público do Trabalho, portanto, pugna pelo deferimento do pedido do autor para que se realizem pesquisas nos sistemas denominados CCS e SIMBA, mormente para averiguação do paradeiro do valor da venda do apontado imóvel, em quaisquer contas bancárias, sejam dos reclamados, seja da empresa J&F Investimentos S/A e de seus acionistas, e a averiguação de outras movimentações bancárias, inclusive aquelas que possam ser detectadas em nome de terceiros, visando com tais procedimentos colher informações da vida financeira dos envolvidos e efetuar o bloqueio de todo e qualquer valor financeiro que for detectado em contas bancárias, inclusive por meio do BACEN/JUD e que os respectivos valores possam ser colocados à disposição desse Juízo, com a finalidade de garantir o pagamento das verbas rescisórias e salários dos substituídos.”

Novela de escândalos

A participação da JBS, hoje envolvida no terremoto que abala o governo federal, é apenas um capítulo na longa novela de escândalos das sucessivas vendas do jornal Hoje em Dia. Ela começa em 2013, quando a Igreja Universal do Reino de Deus decide vender o jornal. Dois interessados disputam a empresa, o grupo Axial e o grupo de Ruy Muniz. No entanto, a empresa é vendida ao Grupo Bel, da família Carneiro, estreitamente ligada à irmã do senador Aécio Neves, Andrea Neves.

Em 2014, o jornal se engajou totalmente na campanha de Aécio Neves à presidência, produzindo noticiário vergonhoso. O ápice dessa adesão foi a publicação de pesquisas de opinião falsas, produzidas pelo desconhecido Instituto Veritas, que, em desacordo com outras pesquisas, davam favoritismo ao candidato tucano.

Por compartilhar em rede social uma crítica a tais pesquisas, o diretor do Sindicato Aloísio Morais foi demitido do jornal, que alegou justa causa. Aloísio, que trabalhava no jornal há décadas, moveu ação trabalhista e ganhou em todas as instâncias. O jornal foi condenado a pagar todos os seus direitos e reintegrá-lo, o que aconteceu em setembro de 2016.

Após as derrotas dos candidatos tucanos que apoiou nas eleições para presidente e governador, o jornal entrou em decadência. O Grupo Bel não escondeu seu interesse em se desfazer dele, ao mesmo tempo que passou a descumprir direitos trabalhistas e se desfazer dos seus ativos. Fechou sua gráfica, dispensou praticamente todos os gráficos sem fazer os acertos e passou a imprimir o jornal nas oficinas do rival O Tempo. Em fevereiro de 2016, o empresário e político Ruy Muniz comunicou a compra do jornal. Os novos donos anunciaram investimentos, mas em vez disso, dispensaram 36 jornalistas no último dia do mês.

A história da venda do jornal Hoje em Dia passa por negócios fraudulentos, pela afronta aos direitos dos trabalhadores do jornal e por outros crimes, que estão sendo investigados pelo Ministério Público do Trabalho e pelo Ministério Público Federal.

Censurados e perseguidos durante os 12 anos em que os irmãos Neves dominaram a política e a comunicação em Minas Gerais, os jornalistas mineiros imediatamente declararam, por meio das redes sociais, o dia 18 de maio como o “Dia da Liberdade de Imprensa em Minas Gerais”.

(Crédito da foto: Alex de Jesus / O Tempo.)

[18/5/17]

3 COMMENTS

  1. Na delação do empresário Joesley da JBS, ele menciona essa operação fraudulenta como sendo uma compra simulada para pagar dívidas de campanha do Aécio. (Procurar a declaração sobre a compra de um “predinho de três andares em Belo Horizonte”)

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