Internet e comunicação pública também estão ameaçadas no governo interino

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A internet, pela qual jornalistas, blogueiros e ativistas digitais fazem a contranarrativa da grande mídia e informam a população, também está ameaçada pelo golpe, alertou a jornalista Bia Barbosa, em debate durante do 5º Encontro Nacional de Blogueir@s e Ativistas Digitais, realizado em Belo Horizonte neste fim de semana (20 a 22/5/16). Para a comunicação pública, a ameaça começou a se concretizar com a exoneração ilegal do presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Ricardo Melo. Participaram da mesa também a secretária nacional de Comunicação da CUT Rosane Bertotti e o ator e diretor de teatro Marcelo Bones, além dos sindicalistas Marcelino Rocha e Beatriz Cerqueira.

O decreto que regulamenta o Marco Civil da Internet foi um dos últimos atos da presidenta afastada, assinado no dia 12 de maio, e o presidente interino avisou que vai rever todos os atos de Dilma Rousseff. Em vigor desde maio de 2014, a lei do Marco Civil da Internet foi celebrada como um grande avanço democrático e elogiada internacionalmente.

“Os direitos estão ameaçados nessa avalanche conservadora”, disse Bia Barbosa, que participa do Coletivo Intervozes, grupo fundado em 2003 com o objetivo de divulgar a importância da pluralidade e da diversidade nos meios de comunicação.

Ela citou a neutralidade da rede, conquista fundamental do Marco Civil da Internet, à qual se opõem as operadoras, que têm como principal aliado o presidente afastado da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, considerado o comandante do golpe.

As operadoras se opõem ao acesso livre e ilimitado à internet, como acontece hoje; querem oferecer pacotes diferenciados, com limitações de serviços – e-mails, vídeos, redes sociais etc. – e quantidade diferenciadas de transmissão de dados, o que provocaria uma seleção econômica dos usuários. “Seria como uma tevê por assinatura”, explicou Bia Barbosa. O uso de WI-FI em espaços públicos, por exemplo, certamente seria cortado, pois os estabelecimentos comerciais teriam de pagar caro para oferecer o serviço aos clientes.

Também estão sob ameaça outros pilares do Marco Civil da Internet, como o sigilo de informações do usuário e o papel do Comitê Gestor da Internet, cujo papel é estabelecer diretrizes para preservação da neutralidade.

Ataque à comunicação pública

A exoneração ilegal do presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Ricardo Melo, foi criticada por Rosane Bertotti. “Só o Conselho Curador da EBC pode destituir seu presidente”, informou Rosane, explicando que para isso o presidente precisaria cometer alguma irregularidade na função.

Ela destacou que o presidente da EBC – responsável pela TV Brasil, TV Brasil Internacional, Agência Brasil, sete emissoras de rádio, além de portal e produtora de conteúdos – tem mandato de quatro anos, que não coincide com os mandatos presidenciais, justamente para garantir independência à empresa de comunicação, que não é estatal, mas pública. O novo presidente da EBC, Laerte Rimoli, nomeado pelo presidente interino Michel Temer, já manifestou publicamente sua admiração pela televisão privada, em especial a Rede Globo. O primeiro ato de Rimoli foi suspender a cobertura da Virada Cultural de São Paulo, durante a qual ocorreram fortes protestos contra o golpe.

No mesmo dia da exoneração, 17 de maio, Melo entrou com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF). O Artigo 19 da Lei 11.652/2008, que criou a EBC, prevê que o diretor-presidente e o diretor-geral da empresa sejam nomeados pelo presidente da República, e que só possam ser retirados do cargo após duas moções de desaprovação do Conselho Curador da EBC. O mesmo artigo diz que “o mandato do diretor-presidente será de quatro anos”.

Rosane disse temer que o governo interino mude também o Conselho Curador, que é formado por representantes do governo, do Legislativo e da sociedade civil. No dia 14 de maio, o Conselho se manifestou, por meio de nota, contra a possível mudança na presidência da empresa; no dia 17 aprovou uma moção de repúdio veemente contra a exoneração de Ricardo Melo. “A exoneração de um Diretor-Presidente em exercício de seu mandato legalmente instituído configura-se como um ato descabidamente ilegal deste Governo Interino, ferindo o disposto na lei 11.652/2008”, afirma a moção.

Rosane fez um breve histórico da comunicação no Brasil e da criação da EBC, em 2008, para lembrar que, no passado, o país fez opção pela comunicação comercial, mas a Constituição de 1988 prevê a existência de três segmentos: privado, público e estatal. Ela disse que a EBC, empresa pública e não estatal, não recebeu atenção devida dos governos Lula e Dilma, que continuaram favorecendo a comunicação privada, mas ainda assim se afirmava como uma nova opção de informação para os brasileiros, especialmente nos últimos anos, por isso foi atacada imediatamente pelo governo interino.

“A EBC estava conseguindo fazer um contraponto à grande mídia, oferecendo diversidade, mostrando opiniões que consideram o impeachment um golpe”, observou.

Resistência dos artistas

A mobilização dos artistas que ocuparam a sede da Funarte em Belo Horizonte e em outras cidades brasileiras não aconteceu apenas por oposição à extinção do Ministério da Cultura pelo presidente interino Michel Temer, mas em oposição ao golpe, segundo o ator e diretor Marcelo Bones. “Nunca vi um movimento com essa potência, ele não se limita a resistir ao fim do Ministério da Cultura”, disse Bones. “A extinção do MinC tem como objetivo abafar o papel da cultura na resistência ao golpe.”

Ele informou que naquele momento (sábado, 21/5) ocorriam 21 ocupações em espaços do MinC no país e que estava sendo criada a Rede Nacional de Teatro, para lutar contra o golpe. Ele convidou os blogueiros a conhecer a experiência e fazer a conexão entre cultura e comunicação.

“Estamos praticando uma ocupação horizontal, que aprendemos com os secundaristas”, contou. “Não é só uma ocupação física, é uma ocupação da democracia brasileira”, destacou.

Bones lembrou que a criação do MinC, em 1985, fez parte da redemocratização do país e que ele já tinha sido extinto uma vez, em 1990, no governo Collor. Foi recriado pelo ex-presidente Itamar Franco, em 1992, e teve atuação tímida até o governo Lula, quando o cantor e compositor Gilberto Gil assumiu a pasta.

“Gil refundou o Ministério da Cultura”, disse o artista. “O MinC hoje tem um leque de atuação forte e amplo, é o único órgão do governo federal que atua em todo o país, de forma coletiva, atingindo todos os públicos. Extinguir o MinC significa o fim de toda essa articulação que está em curso”, enfatizou.

Na foto, Bia Barbosa e Rosane Bertotti, durante o debate com blogueiros e ativistas digitais. (Crédito da foto: Eder Bronson / Barão de Itararé.)

 

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