Há 61 anos, reunidos em BH, jornalistas brasileiros alertaram para importância da preservação do regime democrático

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Em setembro de 1955, realizou-se em Belo Horizonte o VI Congresso Nacional de Jornalistas. Nove anos depois da promulgação da Constituição de 1946, que instituiu o Estado Democrático de Direito no Brasil, o encontro deixou como registro para a história a “Declaração de Belo Horizonte”, reproduzida abaixo na íntegra. O documento foi localizado pelo jornalista Paulinho Assunção, que prepara uma história dos 70 do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais e 50 da Casa do Jornalista.

Assinada por Ney Octavianni Bernis (Minas), Oscar Sabino Júnior (Goiás), Monsenhor Manuel Barbosa (Bahia), Edson Régis (Pernambuco), Luiz Guimarães (Rio de Janeiro), Freitas Nobre (São Paulo) e Genésio de Carvalho (Alagoas), a “Declaração de Belo Horizonte” apresenta impressionantes similaridades com os dias atuais. Há 61 anos, os jornalistas brasileiros defenderam a preservação da democracia e o respeito à Constituição como condições para o progresso do país; afirmaram a importância da Petrobrás para o desenvolvimento econômico nacional e enfatizam a importância do combate à corrupção, ressalvando: “Essa luta, entretanto, só pode ser feita sob a égide do Direito e da Justiça”. Pediram o respeito ao resultado das urnas e ao mandato dos eleitos.

O contexto em que a declaração foi escrita era também de grande tensão social e a continuação da legalidade democrática corria risco. O Brasil era chefiado por um presidente interino, depois que o presidente Getúlio Vargas, diante de um golpe iminente, suicidou-se, em agosto de 1954. No mês seguinte ao encontro dos jornalistas, o mineiro Juscelino Kubitschek venceria o pleito direto para presidir a República no quinquênio 1956-1961. Sua eleição por maioria simples (naquela época não havia eleição em dois turnos) seria contestada e sua posse ameaçada por uma tentativa de golpe – um golpe “preventivo” garantiu-a. Em 1964 viria o golpe que durou 21 anos…

A “Declaração de Belo Horizonte” pode ser lida de duas formas: olhando-se para o passado e olhando-se para o presente. Hoje, quando 31 anos de regime civil e 27 anos de governos eleitos pelo povo parecem insuficientes para garantir a Constituição, e a democracia encontra-se novamente ameaçada por um golpe, o alerta dos jornalistas brasileiros em 1955 merece atenção, como uma voz da História, livre das paixões que vêm polarizando o país. “Toda tentativa nesse sentido [de quebra da legalidade] deve merecer repulsa do povo, pois se destinará a ser feita contra os interesses e o progresso do país”, enfatiza o documento.

 

A Declaração de Belo Horizonte

“Os profissionais da imprensa ora reunidos, sob a inspiração do Protomártir da Independência, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, resolvem tornar público que:

1) A preservação do regime democrático, tal como está estruturado na vigente Constituição da República, deve constituir preocupação do povo brasileiro, base que é de seu bem-estar, de seu progresso, e de sua dignidade, como nação civilizada e de vivos sentimentos cristãos;

2) O povo deve ser continuamente informado sobre o valor e a necessidade do sistema democrático de governo, e saber, principalmente, que, sob o regime das franquias estatuídas na Constituição de 1946, o país tem progredido mais do que em qualquer outro período anterior de sua história;

3) A experiência dos últimos pleitos eleitorais revela da parte do povo crescente maturidade política. O povo mostra-se cada vez mais senhor de seus destinos. E é o exercício continuado do sagrado direito do voto que avivará sempre a sua consciência cívica, que aperfeiçoará os seus critérios de seleção, impondo, dessa forma, através de mandatários sempre mais eficientes e mais leais, a solução objetiva dos problemas da coletividade;

4) É fato notório que o Brasil possui hoje todas as condições indispensáveis ao pleno, sadio e fecundo funcionamento da legalidade democrática. Ninguém nega a existência de desajustamentos que ainda dificultam a vida do povo. Mas esses desajustamentos são momentâneos e naturais na fase que atravessa o país e sua solução depende, antes de tudo, da ação vigilante do povo, através do voto livre, da imprensa livre e do livre funcionamento do parlamento e das associação de classe. Em tais circunstâncias, o derrotismo não se justifica e constitui contrafação nociva da realidade do país, pois estimula os movimentos antipatrióticos de todos quantos desejam impedir a emancipação econômica do Brasil. Já figurava em seus contornos próximos, através de empreendimentos básicos como a Petrobrás, a Eletrobrás e tantos outros em que se assenta o progresso econômico geral de nossa Terra;

5) Por outro lado, do contexto atual da realidade brasileira, a luta contra a impunidade de todos aqueles que, na administração e fora dela, dilapidam o dinheiro público ou agem contra interesse coletivo, deve constituir algo permanente sobre que se alicerce a própria honra da sociedade. Essa luta, entretanto, só pode ser feita sob a égide do Direito e da Justiça, através de dois documentos essenciais do regime democrático, a saber: o Parlamento Independente e a Imprensa Livre. E os jornalistas reclamam a apuração das responsabilidades de todos aqueles que atentaram e atentam contra o patrimônio nacional e espera que os infratores sofram as sanções legais e cabíveis;

6) Os jornalistas brasileiros afirmam, em consequência, que a legalidade democrática precisa e deve ser mantida no Brasil;

7) Opondo seu formal repúdio a qualquer resolução extralegal do problema sucessório da República, os jornalistas brasileiros declaram que toda tentativa nesse sentido deve merecer repulsa do povo, pois se destinará a ser feita contra os interesses e o progresso do país;

8) Finalmente, os jornalistas brasileiros reiteram a sua confiança em que a Justiça Eleitoral e as Forças Armadas do país, cuja identidade com o sentimento popular é nota dominante de sua história, saberão cumprir o seu dever, assegurando clima de tranquilidade, para a realização das eleições livres a 3 de outubro, e garantindo, em seguida, aos eleitos, a fidelidade institucional com que possam cumprir, pacientemente, os seus mandatos, para honra da Nação e o superior proveito do povo.”

 

(Foto: manifestação de jornalistas mineiros pela democracia, em 2016. Crédito da foto: Lidyane Ponciano.)

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